Friday, July 9, 2010

Leituras

Confesso que faz tempo que não leio um livro inteligente. Nos últimos anos tive sempre que me dedicar a uma pesquisa aqui, a um trabalho ali, então minhas leituras eram basicamente livros técnicos da minha área - a dança. E eis mais uma confissão: eu não tenho a mínima paciência para ler um livro destes de cabo a rabo, eu vou direto ao ponto que interessa, folheio pra lá e pra cá e fecho o livro. Sigo então para a aula, ou para escrever algo sobre o livro lido e discuto (ou escrevo) com a veemência de quem sabe tudo. Fazer o quê? Quando eu era criança eu me lembro de ler absolutamente tudo que passava pela minha frente, acho que esgotei minha paciência naquela época.
Hoje prefiro ler apenas aqueles livros que tenho certeza que vão me fazer feliz, vão mexer com minhas emoções e me fazer mergulhar dentro de um universo paralelo que me distancie da realidade em que vivo. Tenho paixão por mundos fantásticos, então sempre retomo a leitura de Harry Potter (existe alguém no mundo que não veja a beleza nesta série?), Crepúsculo (Ótimo retrato do pensamento feminino), Senhor dos Anéis e algumas outras séries mais água com açúcar.
Mas ontem, de um impulso, resolvi pegar alguns daqueles livros que deixo estrategicamente do lado da minha cama. Às vezes penso que eles estão ali clamando: - Somos nós que vamos fazer alguma diferença na sua vida, deixa de ser preguiçosa e vem trabalhar sua mente! Ouvindo este chamado, peguei uns quatro ou cinco livros e fui abrindo um a um procurando algo que me prendesse à leitura.
Não fui muito bem sucedida (só considero sucesso quando pego um livro, abro, passo dois ou três dias desligada do mundo e fecho). Mas me lembrei porque eu amo Guimarães Rosa. E finalmente estou chegando ao ponto que quero atingir com este post.
O que é uma leitura inteligente?
O que é uma leitura que te satisfaz?
Estas são questões que vão longe e que eu não tenho a mínima pretensão de responder...
Mas lendo o primeiro prefácio de Tutaméia (Terceiras Estórias), do autor em questão, o seguinte trecho prendeu minha atenção:

"Os dedos são anéis ausentes?
Há palavras assim: desintegração...
O ar é o que se vê, fora e dentro das pessoas.
O mundo é Deus estando em tôda parte.
O mundo, para um ateu, é Deus não estando nunca em nenhuma parte.
Copo não basta: é preciso um cálice ou dedal com água, para as grandes tempestades.
O O
é um buraco não esburacado.
O que é - automàticamente?
O avestruz é uma girafa; só o que tem é que é um passarinho.
Haja a barriga sem o rei. ( Isto é: o homem sem algum rei na barriga.)
Entre Abel e Caim, pulou-se um irmão começado por B.
Se o tôlo admite, seja nem que um instante, que é nele mesmo que está o que não o deixa entender, já começou a melhorar em argúcia.
A peninha no rabo do gato nã é apenas "para atrapalhar".
Há uma rubra ou azul impossibilidade no roxo (e no não roxo).
O copo com água pela metade: está meio cheio, ou meio vazio?
Saudade é o predomínio do que não está presente, diga-se, ausente.
Diz-se de um infinito - rendez-vous das paralelas tôdas.
O silêncio proposital dá a maior possibilidade de música.
Se viemos do nada, é claro que vamos para o tudo.
Veja-se, vêzes, prefácio como todos gratuito.

Ergo:
O livro pode valer muito pelo muito que nêle não deveu caber.

Quod erat demonstrandum".

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