Saturday, September 11, 2010

Carrascos de nós mesmos.

A vida de um bailarino é sempre muito dura. Sempre soube disso, mas isso nunca me impediu de ser apaixonada pela arte da dança.
Dançar implica em treinamento árduo e em estar em constante conflito com sua imagem. Para alguns dança é imagem, para outros é técnica. Também é emoção, mas é a razão. É a expressão do corpo, é a comunicação que exprime nossas verdades.
Para mim, é um pouco disso tudo. A Dança pode ser - e costuma ser - um carrasco. Temos que estar continuamente entrando em padrões (as aulas técnicas) e saindo dos padrões (criando). Ou seja, é um eterno paradoxo!


Apesar de eu ser apaixonada pelo meu campo de trabalho eu tenho duras críticas sobre como tudo funciona: competição e audições levam à um narcisismo corporal perigoso. Eu sabia de antemão que ao vir para cá eu estava me colocando numa prova de fogo em frente a tudo que quero combater, que também são exatamente as coisas que me dão mais medo. Porque competir e fazer audição significa se expôr e esperar as críticas. E quem gosta de ouvir críticas?

Principalmente porque quando o alvo da crítica é o produto do seu próprio corpo e da sua expressão, a crítica negativa atinge inevitavelmente o pessoal. Mas eu sei o quantos as críticas são necessárias ao nosso crescimento pessoal e profissional. E é por isso que estou aqui. É por isso que tanto lutei por esta oportunidade de estar entre tantos profissionais de qualidade.

Quem me conhece de longa data sabe do meu problema de auto estima. Nunca me sinto boa o suficiente. Nunca fui uma grande performer. Tenho dificuldades técnicas enormes. Não sou boa em giros e as vezes perco meu equilíbrio por não estar suficientemente com o apoio dos pés no chão... Não estou falando que eu sou ruim, mas sim que eu conheço muito bem minhas limitações como bailarina. Mas isso não me impede de ser criativa, de buscar meu aprimoramento e de sempre lutar por mais.

Ao chegar aqui com tantas expectativas das pessoas que me conhecem deu ser um sucesso e ao ler os comentários carinhosos das pessoas queridas que torcem tanto por mim desabei de chorar... E vou contar o porquê:

Em duas semanas de aula na Tisch já tive que me por a prova, competir e fazer tudo aquilo que sempre morri de medo. Tem sido muito produtivo, porque percebo que as vezes não é nosso corpo que tem limites, mas sim a nossa mente que impões frustrações e limitações. Estou tendo aula de teatro (sim, decoro lines in English) que é algo que sempre fugi de fazer. E tive que participar de duas audições, dentro do curso, com todos os alunos do 1o e 2o ano de graduação, somados às minhas colegas de 1o ano de mestrado!

Na sexta-feira passada tive audição classificatória dos níveis técnicos. Eu estava muito nervosa, mas fiz o melhor que pude. (Antes disso só fiz duas audições na minha vida: uma para entrar na Unicamp e outra para a SP Cia de Dança). No mesmo dia sairam os resultados... Preciso falar que fui mal colocada, tanto no balé quanto no contemporâneo? É óbvio que me senti um lixo. Minha razão me dizia constantemente que isso não era um grande problema, porque eles precisavam dividir a gente em três turmas de níveis técnicos de qualquer forma. Mas a minha emoção era a do orgulho ferido. Sai do Brasil para me dizerem que eu sou péssima ( e ninguém disse isso, mas foi o meu pensamento)? Em nenhum momento pensei em desistir, mas a tristeza de ser considerada fraca foi muito grande.

Enfim, essa semana fiz as aulas junto com as pessoas também consideradas nível 3. E quer saber? Tem gente muito boa. E tem gente com dificuldades. A aula de balé tem sido frustrante, porque sei que sou capaz de lidar com mais. Mas se assim fui classificada, procuro ter paciência e disciplina para modificar o que as pessoas pensam do meu "produto corporal". E como meu pai e tantas outras pessoas não cansam de me lembrar: cada pessoa foi aceita aqui por ter algo diferente que chamou a atenção. Cada pessoa é única, não sou mais do que ninguém, mas também não sou menos. Sou só eu, Carol, com tudo que vem no pacote (bom ou ruim).

Já a aula de Contemporâneo tem sido um alívio. A professora Pamela Pietro tem um estilo que é muito mais familiar, lembra a professora Holly da Unicamp, só que é um tanto mais surtada e rápida. Quero muito ser escolhida para dançar no trabalho dela... e com isso retorno para a audição número 2, que foi ontem.

A faculty auditions da NYU foi a audição para trabalhos coreográficos de 5 professores da Tisch. Deborah Jowitt, com um estilo mais moderno; Pamela Pietro que já comentei; Kay Cummings a professora engraçadíssima e maravilhosa de teatro; Jim Sutton, meu advisor, professor de balé que não sei o que esperar; e Cherylyn Lavagnino a diretora do departamento que coreografa uma peça nas pontas.

Esta audição foi desgastante porque tivemos que fazer tudo na frente de todos, 8 pessoas por vez mostrando a sequência para os 5 professores e para os outros 70 alunos presentes na sala. E, em determinado ponto, tivemos que dançar uma sequência que foi passada, duas pessoas por vez, e estas pessoas tinham que simultaneamente à sequência dançada manter uma diálogo (-Yes, you will! -No, I won´t!). Ou seja, dançei praticamente sozinha e falei ( em inglês) na frente de muita gente... Foi tenso, mas esta parte da audição rendeu momentos hilários.

Agora a frustração: para participar da audição da Cherylyn era necessário fazer uma audição nas pontas. Levei minha ponta para o departamento, mas não me inscrevi na audição, porque não tive coragem de fazê-la. E aí vemos como eu mesma sou responsável pelos limites que me coloco. Tive medo de ser humilhada, de me sentir um lixo de novo e por isso não quis correr o risco. E isso foi ridículo. Assisti a audição das meninas. A sequência da professora foi algo que não me atraiu, por ser muito quadrado para o meu gosto, mas eu deveria ter tido a coragem de fazer.

Me senti intimidada por ter sido selecionada para uma turma "fraca" (mentira porque a turma não é fraca) de balé, e por saber que tinha gente muito melhor do que eu fazendo esta audição. Tenho uma colega de mestrado formada pela Julliard. Tenho várias colegas que dançaram em companhias de balé profissionais, para não mencionar as menininhas novinhas fisicudas que foram aceitas na graduação. Além da garota que foi selecionada para o So You Think You Can Dance e largou o reality show para fazer o BFA na NYU.... E todas estas estavam lá "competindo".

A vida de bailarino é dura. Assisti a audição e tenho certeza que eu teria ficado nervisissíma e me perdido um monte. Mas tinha muita gente mais fraca do que eu lá, se pondo a prova, e é isso que importa. Quando cheguei em casa, liguei meu pc e vi os comentários me motivando a sempre buscar mais e me senti um fracasso por não ter tido mais coragem. Que fique a experiência para que eu tome atitudes mais corajosas da próxima vez.

E termino com algo que anotei numa das aulas da semana - a de teatro - que é um grande desafio pessoal:

"You are enough if you use all of you!"
Kay Cummings

4 comments:

  1. Nem mais nem menos, só você, única e especial!

    =)

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  2. Ser julgada é muito difícil mesmo, mas acho q estar nessa 3ª turma não é tão ruim assim...há males q vem para o bem, quem sabe estar lá não te trás uma experiência e oportunidade que fará toda a diferença no final ;]?

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  3. Não... a turma não é ruim mesmo. E não sou só eu. Tem várias alunas do mestrado tbm nessa turma. Além de gente tecnicamente mto boa. E uma das chinesas tbm foi classificada na de contemporâneo 3 ( e ela é linda). É como se eles quisessem ajeitar aqueles que não estão tão familiarizados com a linha deles.
    O post foi mais para dizer como nós criamos barreiras e dificultamos nossa própria vida.
    E quem tá no 1 tem q ralar muito para se manter, quem tá no 3 pode subir devargazinho e mostrar seu crescimento..

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  4. Carols! Sabe que me identifico com o que escreve... e entendo suas sensações e questionamentos. É como se muito do que descreveu já tivesse feito parte de mim quando estive nas audições que fiz, nas cias, no Bolshoi etc...
    Posso te dizer, que hoje não me preocuparia tanto em sentir estas coisas e nem com as classificações que nos dão a todo instante (e isso não é só na dança, é em qualquer outro meio profissional, pode acreditar!) o melhor é nos desafiarmos, e fazermos nossas tarefas com ou sem tanto prazer, sem cessar e da melhor forma que pudermos. A recompensa chega mesmo que tarde, chega!
    Eu já mudei bastante de atividade, e em pouco tempo, mas nunca parei!
    Me classificam muito até hoje, me rotulam muito, mas eu... eu sigo!

    Com amor.
    Teka
    SEMPRE EM FRENTE HONEY!

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