Saturday, October 30, 2010

Swan Lake do Matthew Bourne





Há duas semanas fui assistir o Swan Lake do Matthew Bourne. Uma releitura contemporânea do balé, com a mesma música de Tchaikovsky.
Plena quarta-feira a noite. Sai da aula e fui com a Cecilia até o NYCity Center tentar comprar ingresso para este espetáculo criado há quinze anos.
A proposta do Bourne era adaptar a história do Lago dos Cisnes para a realidade atual e montar os cisnes apenas com homens.
Sabem a cena do final do filme do Billy Elliot? Com a calça de penas e o grande salto? É deste espetáculo.
Teatro cheio. Apagam se as luzes. Meu lugar até que era bom (para o mais barato). Abrem-se as cortinas e aparece um cenário mega.
E eu penso cá com meus botões: lá vem. Um espetáculo com movimentos de dança contemporânea, com estrutura de balé clássico e super produção de musical da Broadway...

Bom... é.
Mas foi maravilhoso.
O coreógrafo jogou meus preconceitos no chão.
Sem libreto não sabiamos o que era a história antes dela se delinear na frente dos nossos olhos:

A história se inicia num ambiente de corte atual. Um jovem príncipe acorda em sua cama após ter um pesadelo, ou sonho, onde na janela acima da sua cama aparecia a figura de um cisne.
Criados entram em cena. Ele tem tudo a seus pés.. .Serventes se tornam a escada pela qual o príncipe desce da cama. O estereótipo acaba beirando a crítica e a ironia.
Logo a cena muda e somos apresentados a mais uma personagem - a rainha mãe.
Esta personagem é altiva e diferente de todo o resto.
A partir daí a história se desenvolve e a dança brinca com a cultura pop. Vemos personagens como a típica inteiresseira e os paparazzis. A pantomima e o virtuosismo se entrelaçam.
Ele satiriza tudo o tempo todo.

E eu desesperada pensando no pobre Petipa se revirando na tumba.

E então a história começa a mostrar a decepção na vida deste jovem cercado pelos deveres. Ele não tem ninguém para se apoiar. Suplica por um abraço da mãe e esta reluta e o afasta. (Tudo isto através da dança..)
Ele tem que se comportar de determinadas maneiras, mas no fundo só o que ele quer é ser livre. Sair das convenções.
A moça fútil por quem ele se encanta é um tanto quanto interesseira e aceita dinheiro para parar de vê-lo.
Num ato de desepero ele tenta se matar. E neste momento os cisnes aparecem.
Quem iria imaginar que homens poderiam se tornar tão etéreos e viris ao mesmo tempo.



Dizem que o pas de deux entre o príncipe e o cisne fez muitos homens se levantarem e sairem da apresentação quando este espetáculo foi apresentado pela primeira vez.
Para mim foi o início de uma metáfora. Que a princípio não entendi bem, mas que no final da apresentação estava muito clara aos meus olhos.
Os cisnes dançam a idéia do ataque, do formação em V de um bando de pássaros. Mas também representam a sensibilidade e a graciosidade deste belo animal.

E então segue a história. O príncipe desiste de se matar. Renova suas energias e volta para sua casa.

Num ambiente de festa ele é menosprezado pela mãe. E se sente ridicularizado pelos presentes. Num ato de loucura, com uma arma na mão ameaça a mãe e os convidados.
Um mordomo (o personagem mais macabro da história) atira na moça que ele estava apaixonado.
Mas o príncipe que se torna o vilão.

Muda a cena. (Para um dos momentos mais brilhantes - Porque até antes da morte da mocinha, tudo era bem previsível mas a partir dali não é mais).

Um fundo branco próximo a beirada do palco com uma porta e uma janela bem no alto cria um ambiente de hospício.
O príncipe é jogado por esta porta. E então a iluminação me deixou boquiaberta:
A sombra negra projetada neste fundo branco cria imagens que aqui eu não posso descrever.
É mais uma metáfora sobre o tamanho do ser humano. Como quando nos sentimos pequenos e insignificantes. Ou sozinhos.
Quando o príncipe entra neste local a sombra enorme representa sua solidão. E conforme ele anda em direção à janela distante ele vai ficando pequeno.
Nisto entra o médico e milhares de enfermeiras sem rosto. A rainha mãe com a sombra projetada maior do que todos os outros oprime este garoto.
Com movimentos pequenos, mas visíveis graças a iluminação fantástica desta cena, nos sentimos agredidos e perdidos como o príncipe.
Ele é então dopado.

De volta a sua cama ele acorda ainda sob o efeito das medicações.

E aí Tchaikovsky está chegando ao seu ápice musical.
Cisnes brotam da cama do príncipe.
Percebemos que tudo isto está acontecendo na mente do garoto.
Este grupo insandecido de cisnes ataca o garoto, e o cisne principal aparece e tenta o proteger a todo custo. Se sacrificando pelo garoto.

Os cisnes desaparecem da mesma forma como eles apareceram. E lá se encontra o príncipe deitado morto na sua cama. Vencido pela sua mente. O cisne que o protegia era aquele espírito que lutava pela liberdade do garoto.
A rainha entra no quarto e corre para abraçar seu filho. mas ele não pode mais sentir.
Na janela acima da cama onde a rainha sacode o corpo morto do filho, aparece a imagem borrada do cisne. Mas agora ele carrega o príncipe finalmente livre.

Eu seguro minhas lágrimas. Talvez a história seja muito apelativa. Não sei.
O que começou simples terminou complexo. E fui levada durante a história.
Vejo que a Cecília também está chorando.
Sai do teatro às 11 hs e fui a pé para minha casa murmurando o tema musical e com lágrimas ocasionais caindo dos meus olhos.



5 comments:

  1. Fotos lindas more!!!

    ReplyDelete
  2. Carol: pela sua descrição, parece que o Matthew Bourne conseguiu resgatar o espírito do Romantismo a partir de uma releitura feita em fins do século XX. Talvez a música contribua imensamente para a nova versão manter muito da dramaticidade e emoção profundas características do Romantismo, não é? E, pelo que você descreveu, parece que os movimentos corporais, a expressão e o jogo de luzes encaixam-se com maestria à música completando a comunicação desta metáfora e impactando o público...

    Queria ter assistido a esse espetáculo com você. Será que eu teria me emocionado tanto com ele como me emocionei assistindo "Giselle", em uma simples versão campineira?

    Acho que a cena das willis- noivas mortas - tentando levar o ex-noivo de Giselle à morte por exaustão (antes dele ser salvo por Giselle) foi a que mais me emocionou até hoje, de todos os balés a que já ssisti...não sei exatamente porque...

    Enfim, obrigada por também nos levar um pouquinho pelos espetáculos que você tem assistido por aí!

    Bjão!

    ReplyDelete
  3. Provavelmente você teria se emocionado também...
    O objetivo de escrever sobre as coisas que eu tenho visto é exatamente levar vcs comigo onde eu for.
    E é claro que a música teve um papel fundamental no sucesso desta trabalho. Só a música do Tchaikovsky pode carregar um trabalho ruim nas costas e transformá-lo em ok. Mas no caso, essa coreografia trabalhou de forma crescente trazendo o clímax da história junto com o clímax musical...
    Quem sabe um dia a gente não vai assistr um bom espetáculo juntas de novo mami...
    E estou planejando me dar de presente de aniversário um ticket p/ o quebra nozes de Balanchine no Lincoln Center.

    ReplyDelete
  4. Querida Carol:
    Vá assistir ao Quebra-Nozes, sim!!!!
    Eu não posso deixar de lembrar que foi esse espetáculo lindo de Natal que fez você desenhar no seu livro de escola aos 3 anos de idade uma bailarina de tutu informando à sua professora que seu sonho quando crescesse era "ser uma bailarina". Tenho ainda o desenho e seu sonho guardado...
    Que bom poder transformar os sonhos em realidade, não é mesmo? :)

    Bjão!

    ReplyDelete

ShareThis